Por Fausto Macedo e José Maria Tomazela
A súmula 13, que veta o nepotismo, poderá não acabar com o empreguismo na administração pública se não houver uma “redução drástica” do número de cargos comissionados nas três esferas de poder. A advertência é do juiz Mozart Valadares, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). “Efetivamente só vamos combater o nepotismo quando houver uma queda substancial no quadro de cargos de confiança”, disse Valadares.
Para ele, esse sistema de preenchimento de vagas no serviço público, que atropela o crivo do concurso de provas e de títulos, “é um campo fértil para a troca de favores, porque não define o que é público do que é privado”. “O que acontece à sombra desse modelo é que se apropriam de um bem público como se fosse uma propriedade particular”, denuncia o juiz.
A súmula 13 foi editada quinta-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF) proibindo o nepotismo no Judiciário, Executivo e Legislativo no "mbito da União, Estados e municípios, até mesmo na modalidade cruzada. A decisão deve ser obedecida por todos os políticos, autoridades e magistrados que empregam parentes de até 3º grau.
A ordem da corte máxima da Justiça agitou antigos redutos de protegidos em todo o País, onde vigora a tradição secular do nepotismo. Autoridades de diversos escalões mantêm às custas do erário apaniguados admitidos pela via direta.
O número de funcionários comissionados nas prefeituras dos 5.564 municípios brasileiros aumentou de 380.629 para 422.831 de 2005 para 2006, de acordo com o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mantida a criação de 42 mil cargos por ano, apenas nas prefeituras o total de comissionados já passa de meio milhão. Incluídos os cargos de confiança das esferas mais altas do Executivo, mais o Legislativo e o Judiciário, o total supera 700 mil. Nos governos estaduais são mais de 150 mil os servidores em comissão, segundo o IBGE.
“Não há justificativa para esse número tão elevado de comissionados”, protesta o presidente da AMB, que comandou ofensiva contra o nepotismo cruzado em Pernambuco, seu Estado.
MIGRAÇÃO
Em 2005, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) baixou resolução vetando a admissão de parentes, tribunais atingidos logo deram um jeito de driblar a imposição. “Começamos a acompanhar a movimentação de nomeações e constatamos que aqueles exonerados do Judiciário estavam arrumando colocação no Legislativo”, conta Valadares. “É o famoso nepotismo cruzado. Quem estava no gabinete de deputados começou a migrar para o Judiciário.”
Na ocasião, Valadares presidia a Associação dos Magistrados de Pernambuco. “Denunciamos todos os casos e 10 atos de nomeação tiveram que ser anulados. O CNJ determinou à presidência do Tribunal de Justiça na época que exonerasse todos os servidores procedentes do Legislativo”, disse. “O problema é que é muito difícil manter esse controle porque na maioria das vezes os beneficiários podem não ter o mesmo sobrenome da autoridade que os acolhe. A pessoa tem um cunhado que não tem seu sobrenome e manda para o Tribunal de Contas. Se não tem o mesmo sobrenome como vai ser possível fazer a identificação dos protegidos?”
“O que temos que fazer é enxugar nos três Poderes o número de cargos de livre provimento”, recomenda Valadares. “No Judiciário é um exagero.”
Um tribunal estadual, recentemente, dobrou de 3 para 6 o quadro de assessores que chegaram à corte pela porta dos fundos. “A súmula é uma coisa muito boa, mas a grande questão são os cargos comissionados em número excessivo para algumas autoridades terem ali o caminho da livre nomeação. Em alguns locais esse mecanismo pode se tornar uma moeda de troca. Há abusos”, disse.
DENÚNCIAS
“O nepotismo cruzado é vedado, mas de fato existe uma maior dificuldade na identificação dessa troca de favores que às vezes não é nítida”, observa Cláudio José Montesso, presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra). “Quem tiver interesse deve denunciar.”
A maioria das prefeituras terá de demitir funcionários para se enquadrar à súmula 13, segundo o presidente da Confederação Nacional de Municípios, Paulo Ziulkoski. Não há uma estimativa de quantos servidores serão demitidos, mas ele acredita que os prefeitos terão de fazer contratações - por concurso - para cobrir as vagas. Ziulkoski disse que as prefeituras estão sobrecarregadas com a transferência de atribuições da União e dos Estados para os municípios. “É certo que essas pessoas não estão nos cargos sem fazer nada.”