Por Luciano Athayde Chaves
Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)
e
Antonio Umberto de Souza Júnior
Juiz do Trabalho, e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça
A Constituição Federal brasileira enaltece o valor do trabalho e a dignidade da pessoa humana, pois não há para ela capital mais valioso que o capital humano. É no trabalho que a maior parte dos brasileiros garante sua subsistência. É pelo trabalho que as pessoas realizam seus sonhos de vida. Pensando nisso, a Constituição declara que a previsão de diversos direitos trabalhistas não impede a criação de novos direitos, desde que instituídos com o propósito de melhoria da condição social dos trabalhadores (Constituição, art. 7º). Assim, todas as vezes em que se pensa reformar a legislação trabalhista é preciso observar esta diretriz: o que vier de novo em matéria trabalhista há de vir para melhorar a vida do trabalhador.
Há no cenário atual do mundo do trabalho novas formas de captação de mão de obra que merecem atenção. A terceirização é uma delas. Muitas empresas e até órgãos públicos têm buscado essa prática para a contratação de trabalhadores. E são eles os maiores prejudicados com a falta de legislação que os ampare.
Nesse contexto, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) vê com bons olhos o projeto de lei de regulamentação dos serviços terceirizados, elaborado no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego. Alguns pontos da proposta merecem destaque, como o artigo 2º, que reafirma a restrição desse tipo de contratação a atividades que não se enquadrem nos serviços típicos da organização empresarial, a chamada atividade fim da empresa.
A terceirização é fenômeno econômico de distribuição de tarefas de uma empresa a outra, seja por dever legal (como acontece nos serviços de transporte e vigilância de valores), seja para alcançar maior grau de eficiência nas atividades centrais (como acontece na contratação de serviços de asseio e conservação em bancos, escolas e lojas).
Todavia, a ausência de um marco legal para regulamentação da terceirização em geral tem gerado a hipervalorização desse mecanismo empresarial em prejuízo dos trabalhadores. Assim, cada vez mais as empresas reduzem seu quadro de pessoal para confiar a realização de tarefas de seu interesse a outras empresas.
A excessiva terceirização provoca diversos impactos de consequências jurídicas importantes: desfigura as empresas, dificulta a proteção do consumidor e precariza a situação do trabalhador, geralmente pago com salários bem menores que aqueles recebidos por empregados não terceirizados e, muito frequentemente, tendo empregadores sem nenhuma idoneidade financeira. No âmbito do serviço público, a terceirização muitas vezes é válvula perfeita de escape para que o administrador mal-intencionado fraude a Constituição, procurando garantir que apadrinhados ou parentes seus sejam contratados pela prestadora de serviços, com salários valiosos e sem a necessidade de se submeterem a concurso público.
Lamentavelmente, não é hoje raro encontrarmos escolas sem professores próprios ou estabelecimentos comerciais sem sua equipe de vendas. Muitos dos que terceirizam seus serviços simplesmente buscam maximizar os lucros não por ganhos de produtividade, descoberta de novos nichos de mercado ou avanços técnicos, mas simplesmente pela aviltante e odiosa exploração da mão de obra.
A aprovação do mencionado projeto certamente trará relação mais civilizada no campo da terceirização. Em linhas gerais, o projeto proíbe a terceirização em atividades essenciais que a identifiquem no contexto empresarial e econômico, obriga as tomadoras de serviços a manterem efetivo e constante controle da regularidade dos pagamentos aos empregados terceirizados, inclusive do seu FGTS e de suas contribuições previdenciárias, impede a influência da tomadora na definição das pessoas a serem admitidas pela empresa prestadora de serviços, atribui às tomadoras a condição de responsáveis solidárias quando as prestadoras deixarem de honrar suas obrigações trabalhistas, inclusive no campo dos cuidados com a saúde e a segurança dos empregados, e garante equivalência de remunerações e demais direitos entre terceirizados e não terceirizados.
Urge o momento de darmos resposta efetiva aos trabalhadores com o devido amparo legal que tanto almejam. A introdução do novo regime não acabará com a terceirização, mas será um duro golpe nas empresas que, hoje em dia, se valem de tal possibilidade para fraudarem a legislação protetora do trabalho.