Uma das maiores mudanças estabelecidas pela reforma trabalhista, aprovada em 2017, foi a possibilidade de assinatura de acordos extrajudiciais entre patrões e empregados e o dispositivo que prevê a quitação total do contrato de trabalho, impedindo cobranças e pedidos posteriores na Justiça do Trabalho. Em dois anos, o número de novos casos saltou de 1.058, entre janeiro a agosto de 2017, para 32.113, no mesmo período deste ano, segundo dados da Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O aumento chega a 2.935%.
Para advogados trabalhistas, o dispositivo é uma espécie de novo mecanismo de pacificação de conflitos e conciliação de demandas entre patrões e empregados.
Guilherme Köpfer, do escritório Tocantins Advogados, afirma que o acordo apresenta uma alternativa às partes, que podem evitar desgastes judiciais e a demora dos litígios comuns. Por outro lado, segundo ele, pode desafogar o poder judiciário, reduzindo o número de novos processos por promover a conciliação. Mas é preciso observar com cuidado o que for pactuado já que depois de celebrado o acordo o trabalhador não poderá entrar com nova ação na Justiça do Trabalho:
- O acordo pressupõe concessões mútuas entre as partes, pressupõe vantagens e desvantagens para ambos. É, por isso, que a homologação total e não a parcial é a mais justa, para não haver desequilíbrio para o patrão ou para o ex-funcionário - ressalta Köpfer.
As demandas mais comuns nos acordos extrajudiciais são os pedidos de verba rescisória e hora extra, mas, nos escritórios, há processos sobre todas as verbas trabalhistas.
- Os juízes entendiam que alguns direitos trabalhistas não podiam ser objeto de acordo, como férias e 13º salário, por estarem garantidos na Constituição. Mas esse entendimento está mudando, com os juízes entendendo que não cabe decidir se o acordo está certo ou não, apenas verificar se não houve coação do empregador - explica o advogado Jorge Mansur, sócio da área trabalhista do Vinhas e Redenschi Advogados.
Despesas com honorários chegam a 20%
Diante de um impasse entre patrões e empregados, a 4ª turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que a homologação de acordo extrajudicial deve ser feita de forma integral e não parcial. Os ministros também admitiram a validade de cláusula de quitação geral do contrato de trabalho, o que significa que após a assinatura do acordo as pendências estarão solucionadas e o trabalhador não poderá mais propor nova ação.
- O risco é de o trabalhador não compreender a extensão da quitação que está conferindo; de ser vítima de fraude; de inibir possibilidade de outras discussões relacionadas ao contrato - afirma Noemia Porto, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Embora o acordo possibilite acelerar o recebimento de verbas rescisórias, alvo de discordância entre patrão e empregado, o advogado Jorge Mansur lembra que há despesas da ordem de 20% com honorários advocatícios.
- Um acordo, muitas vezes, é melhor que uma ação judicial. Empresas que precisam demitir e não têm dinheiro para pagar verbas. Ela pode ir à Justiça, não para diminuir os valores devidos, mas parcelar. O trabalhador recebe mais rápido do que em um processo que pode se arrastar por anos.
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Por que o número de acordos extrajudiciais está crescendo tanto?
É uma forma de evitar litígios e brigas na Justiça. Em alguns casos, o trabalhador não tem certeza do direito que quer pleitear, em outros porque o trabalhador pode querer receber logo mesmo que seja um valor menor, mas de forma imediata. Às vezes, a empresa está em situação difícil. Em todos os casos, as duas partes precisam constituir advogados para representá-las. O trabalhador também pode pedir orientações no sindicato que representa a categoria.
Quais são os casos em que a Justiça se recusa a homologar este tipo de acordo?
O juiz não é cartório que vai carimbar papel e aceitar qualquer acordo, mas também não é advogado do reclamante. Em geral, o juiz não homologa se há suspeita de vício de consentimento, suspeitas de coação ou indício de fraudes. Por exemplo, um juiz não homologou um acordo porque tanto o advogado da empresa e quanto o do trabalhador eram do mesmo escritório. Em geral, também não há homologação de acordos de reconhecimento de vínculo empregatício. Alguns juizes também se recusam a homologar acordos em que o empregado renuncia a direitos como 13º salário e férias, que são direitos básicos.
Após o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) de que a homologação do acordo deve ser total e não parcial, o que acontecerá com os processos que foram já homologados mas de forma parcial?
Se o processo de homologação extrajudicial já transitou em julgado e já venceram todos os prazos de recursos, o acordo firmado entre patrão e empregado será mantido, ainda que não tenha havido a quitação total da rescisão de contrato de trabalho. Em outros casos, as partes podem entrar com recursos.