Condenados em 2013, os executores conseguiram progressão de pena. Um deles foi detido por outro crime. Um dos indiciados morreu, também em 2013, e outro teve a pena prescrita em 2010. Dos quatro condenados como mandantes ou intermediários, um teve o julgamento anulado e os demais recorrem em liberdade. O balanço da chacina de Unaí foi feito durante ato público virtual, na tarde desta quinta-feira (28),que marcou os 17 anos do crime. Em uma emboscada na região rural da cidade, os auditores-fiscais Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva, além do motorista Ailton Pereira de Oliveira, foram executados a tiros.
"O último calor"
Marinez Lina de Laia, viúva de Eratóstenes, se emocionou ao lembrar dos últimos momentos ao lado do companheiro. Foi em 26 de janeiro, quando ele viajou com Ailton e João Batista para se encontrarem com Nelson. Iriam participar de uma rotineira ação de fiscalização em plantações. "Último beijo, último toque, último calor " Só foi vê-lo novamente no dia 29, depois do crime. "Eu segurei a mão dele o tempo todo, tão fria Ninguém merece uma morte como a dele."
Advogado das famílias das vítimas, Antonio Francisco Patente avalia que o poder econômico predominou no processo. "O Ministério Público Federal se empenhou com vigor e com isenção absoluta, identificou os atores e autores todos. ( ) Não estou dizendo que foi Tribunal Regional Federal de Minas Gerais. Foram todos. Todos eles foram complacentes com um matador de homens honestos. O crime mais bárbaro que já chegou ao meu conhecimento, planejado com eficiência, técnica, com detalhes, com meios financeiros aos cântaros, disponibilizados para todos os sicários", afirmou.
Arrogância do poder
"A arrogância do poder financeiro é cruel", disse ainda o advogado. "Essas pessoas (mandantes) andaram pelos tribunais como se fossem reis de um lugar cujo nome eu não posso declinar." Ex-prefeito de Unaí, o fazendeiro Antério Mânica foi condenado pela chacina em novembro de 2015, mas o julgamento foi anulado depois que seu irmão Norberto Mânica, também condenado, pouco antes, assumiu formalmente a culpa como mandante. Mesmo assim, recorre em liberdade.
Durante o ato virtual, várias pessoas manifestaram a expectativa de que Antério seja novamente levado a júri. "Esse julgamento precisa acontecer na capital, Belo Horizonte, porque certamente vão tentar levar para Unaí, onde ele tem um poderio declarado", afirmou a ex-presidenta do Sinait (sindicato dos auditores-fiscais do trabalo) Rosângela Rassy. Durante os processos, réus fizeram tentativas de tirar o julgamento da capital mineira.
"Todos mortos"
Delegado regional do Trabalho em Minas à época do crime (posteriormente, as DRTs passaram a sr denominadas Superintendências), Carlos Calazans disse se sentir "derrotado" com o episódio. "A única pessoa que poderia cancelar essa operação era eu. Ailton não era motorista do Ministério do Trabalho, estava à disposição. Eu estava lá, quando vi a caminhonete com todos eles mortos dentro. Atravessamos a 040 de Unaí até BH sem escolta", lembrou, emocionado, pedindo desculpas as famílias.
Calazans disse ainda que a direção da Assembleia Legislativa não autorizou a realização do velório, que passou para a sede do Crea. O Legislativo mineiro era presidido à época por Mauri Torres, do PSDB. Em 2011, foi nomeado para o Tribunal de Contas do Estado - é o atual presidente.
"Nós fizemos de tudo, nós não conseguimos colocar os mandantes na prisão. Fomos no STF, na polícia, na Justiça, fizemos passeata, ato público, e a Justiça? E a Justiça?", questionou Calazans. "É uma infâmia, um absurdo o julgamento (de Antério) ter sido anulado."
Assassino solto
Ele informou que Rogério Alan dos Santos, um dos assassinatos ("Atirou na cabeça do Nelson") ganhou progressão de pena e passou a cumprir pena em regime aberto. Envolveu-se em novo crime, com processo na comarca de Bocaiúva, e teve decretada prisão preventiva em março do ano passado.
Já Erinaldo de Vasconcelos Silva, que teria atirado nos demais, ganhou prisão domiciliar por causa do coronavírus. O Ministério Público recorreu, e a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas anulou a decisão. Ainda se aguarda a expedição de mandado de prisão.
"É pra atirar ou não?"
"Todos estão livres! Todos!", exclamou Calazans. Para a presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto, Unaí "confronta o Brasil arcaico com o Brasil chamado de civilizado". Com a impunidade, a sensação é de que o primeiro ainda vence, completou.
Servidor da Superintendência em Minas e diretor da Confederação dos Servidores Públicos Federais (Condsef), Rogério Expedito lembrou que era amigo pessoal de Ailton e João Batista. Na época, havia um esforço no combate ao trabalho escravo, e a região de Unaí era considerada problemática. "O Nelson, naquele momento, tinha tido várias ameaças. E aí nós tomamos por referência que o Nelson não iria mais atuar sozinho nas fiscalizações", comentou. Ele mesmo passou por um episódio desse tipo. "A gente chegava nas fazendas e os chamados jagunços dos fazendeiros paravam a gente na porta, armados, e terminantemente perguntavam o que era pra fazer, se era para atirar ou não."
O ato público, que este ano teve de ser virtual, fez parte da Semana Nacional de Combate ao Trabalho Escravo , organizada pelo Sinait e outras entidades. O atual presidente do sindicato, Bob Machado, disse que os fiscais "não irão descansar" enquanto Antério e Norberto, mandantes da chacina de Unaí, não estiverem presos.
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A Chacina de Unaí e a Chaga da Impunidade
Este vídeo de 13 minutos foi realizado pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) e lançado neste 28/1/2021 no canal Meteoro Brasil