Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal, suspendeu na segunda-feira (14) todos os processos sobre pejotização em andamento no Brasil até o plenário da corte fazer um julgamento de repercussão geral sobre o tema. Não há prazo para inclusão em pauta.
Até lá, ficam paralisadas as ações sobre o reconhecimento de vínculo empregatício de trabalhadores contratados em regime de prestação de serviços por meio de pessoa jurídica. O ministro justificou que decisões da Justiça do Trabalho têm sobrecarregado o Supremo.
"O descumprimento sistemático da orientação do Supremo Tribunal Federal pela Justiça do Trabalho tem contribuído para um cenário de grande insegurança jurídica, resultando na multiplicação de demandas que chegam ao STF, transformando-o, na prática, em instância revisora de decisões trabalhistas"
Gilmar Mendes
ministro do STF, em decisão de suspender processos sobre pejotização
Neste texto, o Nexo mostra qual o entendimento do Supremo e da Justiça do Trabalho em ações relacionadas à pejotização.
A decisão de Gilmar
Em sua decisão, Mendes disse que o STF tem recebido um volume cada vez maior de recursos de reclamações trabalhistas e que, para evitar um cenário de insegurança jurídica, é necessário aguardar uma decisão definitiva do tribunal.
Agora, o Supremo vai discutir três questões, com repercussão geral. Isso significa que o que for definido no julgamento valerá para todos os casos semelhantes. São elas:
a competência da Justiça do Trabalho para julgar as causas em que se discute a fraude no contrato civil de prestação de serviços
a licitude da contratação de trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços
a responsabilidade do ônus da prova relacionado à alegação de fraude na contratação civil: trabalhador ou empregador.
O tema será debatido a partir de um recurso ao Supremo de um corretor que pediu reconhecimento do seu vínculo de trabalho com uma seguradora. O Tribunal Superior do Trabalho negou a relação de emprego, afirmando que a relação de prestação de serviços firmada entre eles era um contrato de franquia. Mendes destacou, porém, que a discussão vai abordar a controvérsia trabalhista de forma ampla.
O entendimento do Supremo
Até agora, o Supremo tem analisado os casos de pejotização - ou seja, a contratação de um trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços - , com base no julgamento de 2018 que considerou "lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas".
Terceirização é quando uma empresa não contrata diretamente o funcionário que trabalha nela. Ela contrata, na verdade, uma outra empresa que vai, então, oferecer a mão de obra. É essa segunda empresa que assina a carteira de trabalho do funcionário.
Para o Supremo, a pejotização seria uma dessas formas de contrato permitidas.
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A permissão da terceirização das chamadas atividades-fim - ou seja, trabalho que tenha relação direta com o objeto principal do negócio da empresa - foi parte da reforma trabalhista aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo então presidente Michel Temer (MDB) em 2017.
Desde então, ações trabalhistas reclamando vínculo empregatício vÇem se acumulando na Justiça.
3.481
É a quantidade de reclamações trabalhistas que chegaram ao STF em 2024, segundo o painel Corte Aberta, do STF - uma alta de 94% em comparação com 2023, com 1.794 reclamações, de 577% em relação a 2018, com 514 reclamações
Até março de 2017, o Tribunal Superior do Trabalho tinha o entendimento de que funcionário só poderia ser terceirizado se ele exercesse as chamadas atividades-meio - ou seja, trabalho que não seja diretamente ligado ao objeto principal do negócio da empresa.
Como a Justiça do Trabalho vem julgando
Enquanto o Supremo tem reforçado que já permitiu a terceirização das atividades-fim das empresas, a Justiça do Trabalho tende a reconhecer o vínculo em diversos casos.
Para juízes trabalhistas, contratos de pessoas jurídicas estão sendo usados para mascarar a relação de emprego. Ou seja, empresas contratam trabalhadores como pessoas jurídicas para exercer funções e seguir regras semelhantes às da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) sem arcar com encargos trabalhistas, o que pode configurar fraude.
Nessa análise, são considerados os cinco requisitos do vínculo empregatício:
Não eventualidade: o trabalho é habitual
Subordinação: o trabalhador recebe ordens
Onerosidade: o trabalhador recebe um salário em troca do trabalho
Pessoalidade: o trabalhador presta serviço pessoalmente
Alteridade: o empregador assume o risco do negócio, mas não repassa ao empregado; ou seja, mesmo que a empresa passe por dificuldades financeiras, o salário é pago
Para reconhecer que há fraude, os tribunais trabalhistas buscam identificar a presença desses critérios.
285 mil
Foi a quantidade de ações trabalhistas buscando reconhecer vínculo empregatício em contratos de prestação de serviços em 2024, segundo dados do TST - uma alta de 89% em relação 2018, com 150 mil
A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) disse, em nota, que vê com preocupação a decisão de Gilmar Mendes. A associação afirma ainda que o STF, ao validar a terceirização da atividade-fim, não debateu os "efeitos da pejotização ampla e outros aspectos fraudulentos da contratação do trabalho humano".
A presidente da Anamatra, Luciana Conforti, disse ainda que a pejotização é um risco fiscal para o país e que aumenta o deficit previdenciário. Isso porque a contratação por esse regime não está sujeita ao recolhimento de encargos como o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) e do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social).