A instituição espera que o STF reafirme a competência da Justiça do Trabalho para examinar relações de trabalho, vínculos de emprego e eventuais fraudes contratuais.
PJ Anamatra vê risco à Justiça do Trabalho com decisão sobre pejotização A instituição espera que o STF reafirme a competência da Justiça do Trabalho para examinar relações de trabalho, vínculos de emprego e eventuais fraudes contratuais. Da Redação terça-feira, 15 de abril de 2025 Atualizado às 10:48 Compartilhar ComentarSiga-nos no A A
A Anamatra - Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho divulgou nota nesta segunda-feira, 14, manifestando preocupação com a decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, de suspender, em todo o país, as ações trabalhistas que discutem a legalidade da contratação de pessoas físicas como pessoas jurídicas - prática conhecida como "pejotização".
No comunicado, a entidade reforça que a EC 45/04 ampliou significativamente a competência da Justiça do Trabalho, prevista no artigo 114 da Constituição Federal, para abranger todas as ações oriundas de relações de trabalho, e não apenas aquelas que envolvem vínculo de emprego.
"A interpretação literal do dispositivo jamais permitiria outra conclusão, senão a de que qualquer controvérsia decorrente da relação de trabalho, não somente de vínculos de emprego, deve ser apreciada pela Justiça do Trabalho e não pela Justiça Comum."
A Anamatra argumenta que cabe à Justiça do Trabalho, com base no artigo 9º da CLT, analisar se há fraude nas contratações e se os elementos da relação caracterizam vínculo de emprego.
"Com efeito, o art. 9º da CLT, ao dispor 'serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar' a legislação trabalhista, encerra norma de ordem pública e indisponível, cuja incidência não pode ser afastada nem sequer por acordo das partes, pois visa à identificação do contrato-realidade e ao reconhecimento das suas consequências legais."
Anamatra critica suspensão de ações sobre pejotização e defende competência da Justiça do Trabalho.(Imagem: Criada por Inteligência Artificial)
Segundo a associação, a suspensão das ações que envolvem fraude a contratos de emprego ou a licitude da pejotização poderá inviabilizar o funcionamento da Justiça especializada, devido ao elevado número de processos. Também critica o entendimento de que a organização produtiva e a divisão do trabalho, por si só, afastariam o exame de vínculos formais, sem considerar possíveis formas de mascaramento das relações empregatícias.
A entidade destaca ainda que o STF tem adotado uma interpretação ampla do critério de "aderência estrita" nas reclamações constitucionais que tratam do tema, com base no Tema 725, sobre terceirização. No entanto, aponta que a discussão sobre pejotização não foi objeto direto da ADPF 324 e que o Supremo ainda não possui jurisprudência vinculante específica sobre a matéria.
"Não há enfrentamento, pela Justiça do Trabalho, a decisões do Supremo Tribunal Federal e a repercussão geral ora adotada demonstra a inexistência de precedente vinculante no tocante à pejotização, confirmando que a matéria ainda não foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal e que não se confunde com terceirização, apesar de muitas reclamações constitucionais terem sido acolhidas com esses fundamentos."
A Anamatra espera que a Corte reafirme a competência da Justiça do Trabalho para examinar relações de trabalho, vínculos de emprego e eventuais fraudes contratuais.
Entenda a decisão do STF
O ministro Gilmar Mendes, relator do ARE 1.532.603, determinou a suspensão nacional de todos os processos que discutem a validade da contratação de trabalhadores autônomos ou por meio de pessoa jurídica.
No julgamento, o STF reconheceu a repercussão geral do Tema 1.389, que trata da legalidade da pejotização, da competência da Justiça do Trabalho e do ônus da prova nesses casos. Apenas o ministro Edson Fachin votou contra a repercussão geral.
A suspensão seguirá válida até que o mérito da controvérsia seja julgado pelo plenário da Corte.
Leia a íntegra da nota da Anamatra:
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NOTA SOBRE A SUSPENSÃO DE AÇÕES TRABALHISTAS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - TEMA 1389
A Emenda Constitucional nº 45, promulgada em 30 de dezembro de 2004, modificou sensivelmente a competência da Justiça do Trabalho originariamente estabelecida no art. 114 da Constituição da República, ampliando a sua abrangência. Superou-se a premissa de que apenas julgaria conflitos entre empregados e empregadores, acrescentando-se diversas outras causas, até então decididas pelos demais ramos do Poder Judiciário. A alteração mais substancial veio por meio do inciso I do art. 114, que estendeu a competência às ações oriundas das relações de trabalho em geral. A interpretação literal do dispositivo jamais permitiria outra conclusão, senão a de que qualquer controvérsia decorrente da relação de trabalho, não somente de vínculos de emprego, deve ser apreciada pela Justiça do Trabalho e não pela Justiça Comum.
À Justiça do Trabalho, aliás, sempre coube apreciar se uma relação de trabalho, a exemplo da mantida por representantes comerciais, cooperativados, empreendedores ou profissionais liberais, caracterizava ou não autêntico vínculo de emprego, sempre que se afirmasse, com base no art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, a existência de mecanismos para mascará-lo. Trata-se, como é cediço, de um dos mais importantes preceitos da legislação trabalhista interna, pois permite que sejam analisados os elementos da relação, a fim de se identificar ou não, em cada situação jurídica concreta, o vínculo de emprego, à luz do princípio da primazia da realidade e a partir de fatos relevantes, como se houve ou não pagamento de salários e se o trabalhador cumpriu ou não certa jornada. Com efeito, o art. 9º da CLT, ao dispor "serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar" a legislação trabalhista, encerra norma de ordem pública e indisponível, cuja incidência não pode ser afastada nem sequer por acordo das partes, pois visa à identificação do contrato-realidade e ao reconhecimento das suas consequências legais.
Causa profunda preocupação, portanto, o sentido que se tem atribuído às relações de trabalho, sob o aspecto puramente formal, com base "em diferentes formas de divisão do trabalho" e na "liberdade de organização produtiva dos cidadãos", sem que a ADPF 324 tenha debatido os efeitos da pejotização ampla e outros aspectos fraudulentos da contratação do trabalho humano, com risco fiscal para o país, além do deficit previdenciário, como já identificado em parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, anexado à Reclamação Constitucional nº 60.620, relatada pelo Ministro Edson Fachin.
É preocupante, ainda, a decisão de suspensão de todos os casos que tratem de fraude a contratos de empregos ou da licitude da contratação de pessoa física como jurídica, pois constituem uma infinidade de processos na Justiça do Trabalho, o que poderá até inviabilizar o funcionamento desse segmento especializado de Justiça.
No tocante às reclamações constitucionais, é importante reiterar que o Supremo Tribunal Federal tem adotado em decisões interpretação expansiva do critério da aderência estrita, especialmente quando se trata de "pejotização", com base no Tema 725 (terceirização), como já identificado em pesquisas acadêmicas. Nesses casos, sem o revolvimento de fatos e provas, não há como compreender as situações concretas, o que não integra a jurisdição constitucional.
O caso eleito para o Tema 1389, com repercussão geral (Recurso Extraordinário com Agravo 1.532.603 PR), bem demonstra que a Justiça do Trabalho tem cumprido adequadamente a sua missão constitucional de analisar, caso a caso, a existência de contrato de emprego e relações de trabalho, sem contrariar precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal, uma vez que a reclamação trabalhista em discussão, na qual se alegava vínculo de emprego, foi julgada improcedente, com Acórdão do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Não há enfrentamento, pela Justiça do Trabalho, a decisões do Supremo Tribunal Federal e a repercussão geral ora adotada demonstra a inexistência de precedente vinculante no tocante à pejotização, confirmando que a matéria ainda não foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal e que não se confunde com terceirização, apesar de muitas reclamações constitucionais terem sido acolhidas com esses fundamentos.
Espera-se que o Supremo Tribunal Federal reafirme o prestígio institucional e a competência da Justiça do Trabalho para analisar as relações de trabalho e os vínculos de emprego, além da existência de fraudes em contratações, conforme previsto no art. 114, I da Constituição.
Brasília, 14 de abril de 2025.
Luciana Paula Conforti
Presidente da Anamatra