ANPT e Anamatra criticam medida.
A decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender nacionalmente todos os processos que discutem a pejotização - prática em que empresas contratam trabalhadores como pessoas jurídicas para mascarar vínculos empregatícios - provocou forte reação de entidades representativas da advocacia, do Ministério Público do Trabalho e da magistratura trabalhista.
A medida, tomada na segunda-feira (14), paralisa ações em qualquer fase ou instância da Justiça até que o plenário do STF se manifeste de forma definitiva sobre o tema. Na prática, isso significa que processos que tratam do reconhecimento de vínculo trabalhista com base em contratos firmados com pessoas jurídicas estão temporariamente estagnados em todo o país.
A Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT) criticou a decisão, afirmando que ela restringe o acesso à Justiça e impede o andamento de processos nos quais o vínculo de emprego é a questão central. De acordo com a entidade, apenas em 2024 foram ajuizadas mais de 460 mil ações trabalhistas tratando do tema, além de outros 4,7 mil inquéritos conduzidos pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
"Alguns ministros do STF se debruçam sobre a legislação trabalhista com um viés desrespeitoso, alimentando uma postura de redução de direitos sociais e desproteção de trabalhadores contratados sob diversas formas jurídicas, como autônomos, parceiros, pejotizados e plataformizados", afirmou a ANPT em nota.
Anamatra se posiciona
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) também se posicionou de forma crítica, destacando que a suspensão generalizada dos processos pode inviabilizar o funcionamento da Justiça do Trabalho, que lida com milhares de casos envolvendo suspeitas de fraude em contratos de prestação de serviços. A entidade reforça que cabe exclusivamente à Justiça do Trabalho, conforme previsto na Constituição, analisar essas relações e decidir sobre a existência ou não de vínculo empregatício.
A Anamatra também alerta para uma possível confusão entre os conceitos de terceirização e pejotização. Segundo a associação, a decisão do STF pode invalidar julgamentos que reconheceram vínculos formais com base em provas concretas, ao entender genericamente como lícito o contrato terceirizado.
A seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) também se manifestou, reafirmando a competência da Justiça do Trabalho para julgar a legalidade de contratos envolvendo pessoas jurídicas. "A análise da licitude da contratação de pessoa jurídica deve ser feita à luz das provas de cada caso concreto, sem que isso implique desrespeito às decisões do STF sobre terceirização", destacou a entidade.
A Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat) foi mais enfática em sua crítica ao ministro Gilmar Mendes, que, em sua decisão, mencionou a suposta resistência da Justiça do Trabalho em aplicar o entendimento do Supremo sobre a liberdade de organização produtiva. Para a Abrat, o STF tem caminhado na contramão dos direitos sociais ao estimular a precarização das relações de trabalho.
Impacto fiscal e econômico
A polêmica decisão ocorre em meio a crescentes preocupações com os efeitos fiscais da pejotização. Em parecer enviado ao STF, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) alertou que a prática tem impacto direto sobre a arrecadação de impostos e sobre o financiamento da Previdência Social. Segundo a PGFN, a pejotização tende a atingir trabalhadores mais qualificados, de maior renda, cujo enquadramento como pessoa jurídica reduz significativamente a carga tributária.
O procurador da Fazenda Carlos de Araújo Moreira, que assina o documento, afirma que a contratação de profissionais liberais por meio de empresas unipessoais permite que esses trabalhadores paguem menos imposto de renda e seus contratantes deixem de recolher contribuições patronais à Previdência. "É um artifício que afeta diretamente a arrecadação e o equilíbrio fiscal", afirmou.
Estudo do economista Nelson Marconi, da Fundação Getulio Vargas (FGV), publicado no ano passado, estima que a pejotização causou um impacto de R$ 89 bilhões na arrecadação fiscal entre 2017 e 2023, após a autorização da terceirização da atividade-fim das empresas. A projeção é de que esse número possa ultrapassar R$ 380 bilhões caso a prática se generalize e atinja metade dos trabalhadores com carteira assinada.
Entenda o caso
A decisão de Gilmar Mendes foi tomada no contexto de um recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida. O caso envolve um corretor de seguros franqueado que busca o reconhecimento de vínculo empregatício com uma seguradora. A repercussão geral significa que o entendimento do STF valerá para todos os casos semelhantes em tramitação no país.
Desde 2018, quando o Supremo validou a terceirização da atividade-fim das empresas, o tribunal tem recebido milhares de recursos de empresas contestando decisões da Justiça do Trabalho que reconheceram vínculos formais. Em muitos desses casos, os ministros do STF têm revertido decisões sob o argumento de que juízes trabalhistas desrespeitaram o entendimento da Corte ao considerar fraudulentos contratos tidos como regulares.
Com o novo despacho, o ministro Gilmar Mendes voltou a afirmar que há descumprimento reiterado das decisões do STF por parte da Justiça do Trabalho, o que motivou a paralisação de todos os processos sobre pejotização até julgamento definitivo do tema pelo plenário.