Mais de 440 mil trabalhadores foram afastados do trabalho em 2024 por questões de saúde mental, segundo dados do Ministério da Previdência Social. Esse quantitativo é mais que o dobro do número de casos apresentados em 2014, que foi de 203 mil. Nesse contexto, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) atualizou a Norma Regulamentadora 1 (NR-1) que, a partir de maio de 2025, passaria a exigir que as empresas adotem medidas formais de prevenção, mitigação e tratamento de riscos psicossociais no ambiente de trabalho.
A norma estabelece claramente a responsabilidade das empresas na identificação, avaliação e gestão dos riscos psicossociais no ambiente laboral, mas sua entrada em vigor foi adiada para maio de 2026 pela Portaria nº 765/2025, a pedido de empresas e sindicatos.
Em consonância com esse cenário, a Justiça do Trabalho tem registrado um número crescente de condenações contra empresas por negligência com a saúde mental dos trabalhadores. Para se ter ideia, o site Jusbrasil reúne mais de 10.000 decisões judiciais relacionadas à saúde mental no trabalho, incluindo casos de assédio moral, sobrecarga e falta de suporte psicológico. E desde 2020 a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) destaca em textos e até lives em seu perfil oficial que danos à saúde mental podem motivar indenizações por transtornos psicológicos e custos com tratamento - inclusive para colaboradores em home office.
No Brasil, diversas organizações já possuem programas voltados à saúde mental de seus funcionários. A diferença é que agora, em vez de serem apenas tratados como um benefício, esses programas passam a ser reconhecidos como um direito do trabalhador.
"Vai depender muito da cultura, do desenvolvimento e da sensibilização das lideranças nas empresas para que a implementação da norma não seja apenas um exercício de compliance", destaca Carlos Assis, psicólogo clínico e CEO do Instituto Philos Org - Foto: Duda Bairros
Para o psicólogo clínico e CEO do Instituto Philos Org, Carlos Assis, a nova NR-1 não deve ser vista como uma obrigatoriedade, mas sim como uma oportunidade para as empresas implementarem ações efetivas de fomento a um ambiente mais positivo de bem-estar e de produtividade entre os colaboradores. "Acredito que é um marco importante, mas não sei se exatamente um divisor de águas. Isso vai depender muito da cultura, do desenvolvimento e da sensibilização das lideranças nas empresas para que a implementação da norma não seja apenas um exercício de compliance", destaca.
Carlos Assis, que também é diretor do Anuário de Saúde Mental nas Empresas, aponta que há diversos programas de promoção de saúde mental já desenvolvidos por muitas organizações, como aqueles voltados à psicoeducação e à psicoterapia, bem como oferta de recursos de apoio psiquiátrico e psicológico, canais de emergência e de escuta, grupos terapêuticos e de acolhimento, entre outros. Contudo, ele alerta para o fato de que essas ações devem estar alinhadas à cultura organizacional e ao ambiente corporativo. "E quem define essa cultura são as lideranças da organização".
Essa discussão se insere no "S" e no "G" do ESG - sigla em inglês para Environmental, Social and Governance (Ambiental, Social e Governança) -, pilares que tratam de responsabilidade social, relações com os stakeholders e da necessidade de políticas estruturadas que garantam proteção efetiva à saúde mental no ambiente corporativo.
Na visão da diretora da Associação Brasileira de Recursos Humanos, seccional Espírito Santo (ABRH-ES), Fabiola Costa, apesar das iniciativas positivas já implementadas por empresas capixabas, ainda há desafios a serem superados. Entre eles, estão mudança de cultura, engajamento da liderança, preconceitos ou julgamentos e falta de recursos.
"Programas que apoiam a saúde do colaborador têm impacto direto no âmbito social, pois constroem um ambiente onde a diversidade evolui com discussões colaborativas, possibilita que as pessoas melhorem a sua relação com o trabalho e tenham consciência do seu papel na comunidade. Um profissional - na verdade, um ser humano, - compreendido e apoiado em seu bem-estar, consegue desenvolver seus talentos e usá-los em prol da sociedade", afirma Costa.